Dia de balanço (Crônica no Instagram)


Jordana Thadei

Hoje é dia de virar a página do calendário pendurado na lateral da geladeira. Dia de fechar ciclos mensais, semestrais e, especialmente, anuais. Há alguns anos, esse dia tem sido motivo para me perguntar quantas páginas do 30 de junho ainda tenho pra virar; o que vou trazer comigo e o que vou deixar pra traz; quem estará ao meu lado e quem vai ficar pelo caminho; o que vou ganhar e o que vou perder a cada virada.
Os dias escorrem do tempo, como areia na mão de criança. É tarde demais para algumas coisas e cedo demais para outras, e eu me equilibro entre o “já era” e o “ainda não”. Metade de mim quer mais cômodos, mais armários para acomodar coisas. Metade de mim quer menos coisas. Aquilo que já foi uma grande falta, hoje, preenchida, se tornou um excesso: a esteira elétrica, o troço de passar roupas a vapor, igual de loja, o centro de mesa giratório, a panela de paella. Metade de mim quer uma casa maior. Metade de mim, “putz, não era pra ser tão grande”. “Oh, moça! A senhora sabe me dizer onde fica a Estação Barra Funda?”. Deve ser isso que chamam de “meia idade”.
Hoje é dia de balanço. Dia de avaliar os “para sempre” não concluídos, os “de hoje em diante” nem começados, os “nunca mais” infalivelmente repetidos e concluir que... Quanta bobagem!
A semana está farta de ciclos, alguns apenas virando: 15 anos do segundo casamento (bodas de cristal), 56 anos de vida. Outros se encerrando: o fim de 9 anos e 11 meses de trabalho em uma mesma instituição; a vida em São Paulo. E, ainda, alguns se abrindo: o recomeço da terapia, a nova coleção didática; um livro de crônicas; a sétima mudança de cidade; a “disponibilidade” no mercado de trabalho. Acho interessantes essas formas bonitas de chamar o desemprego, com uma pegada positiva: “disponível”, como se estar desempregado fosse alguma vergonha e precisasse de um eufemismo, pra abrandar o vexame.
Fechando ou se abrindo, os ciclos e as mudanças não me apavoram mais. O meu mundo já capotou algumas vezes. E enquanto está revirando é assustador. Mas cada capote vai perdendo força até parar e a vida seguir por mais um tempo, antes da próxima reviravolta.

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Jordana Thadei

E-mail: jordanalivros@gmail.com

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