Jordana Thadei
Dizem que quem dá presentes presenteia a si mesmo. Concordo, mas considero a afirmação dúbia. Eu mesma adoro presentear, embora não possa fazê-lo sempre que quero. Tenho uma relação muito particular com presentes e gosto de encará-los, os ganhados e os dados, como a leitura que fazemos de quem presenteamos. Sinto enorme prazer no ritual de listar opções, procurar, viver a indecisão e, finalmente, escolher. Pode levar dias, semanas. Quando acerto, aí sim, é como se presenteasse a mim mesma. Mas nem sempre tenho êxito. E, com algumas pessoas, os erros perduram. Vai saber o que está embaçando o meu olhar sobre elas.
Há quem pareça escolher o presente do outro como se fosse pra si mesmo. Há quem não cogite presentear. Sinto pena desses. Presentear é materializar o afeto pelo outro. Um amor de juventude me presenteava a cada mês de namoro. No princípio era bom, mas, aos poucos, foi ficando previsível. Perdeu a graça. Um dia me regalou com uma coelhinha de pelúcia. Pouco depois, o namoro acabou. O objeto confirmou o que eu desconfiava: não me via, ou, se via, não me lia corretamente. Caso contrário, não teria me presenteado com uma pelúcia.
Um amor balzaquiano me surpreendeu com um DVD. Ana Carolina. Investigou minhas redes sociais, me leu para a escolha do presente. Gesto carinhoso. O meu amor era verdadeiro, o dele era pirata. Como o presente. Falhou em várias partes no meu computador, tanto quanto o namoro mascou naqueles dois tumultuados anos de existência. Se eu tivesse levado a sério o que li na linguagem dos presentes...
Uma amiga sempre me presenteia com guloseimas. Passa em casa sem avisar e me deixa delícias que acabou de fazer. Certamente pensou em mim enquanto fazia.
Bodas de Cristal e resolvi testar se o marido, engenheiro, se lembrava. Disfarçou a ignorância da data. Quando perguntei o que faríamos, convidou para visitarmos a Leroy Merlin. Diverti-me com a brincadeira. Aniversariei dois dias depois e ele me acordou com um abraço, me parabenizou e preparou um café da manhã melhor que o de costume. Enquanto eu lavava a xícara para um segundo café, levantou meus cabelos por trás, me beijou o pescoço e segredou o meu presente no ouvido:
— Vou te dar uma cuba preta. Uma cuba preta bem grande, do jeito que você quer.
Pensei não ter entendido. Confirmei e era mesmo uma cuba de pia de cozinha. E completou a descrição com um sorriso sincero. Era uma cuba de sessenta e dois por quarenta e quatro centímetros e vinte e cinco de profundidade. Fez uma pausa e finalizou:
— De sobrepor. Daquela que você viu na internet. E vou tirar do meu bolso, não vou comprar com o dinheiro da obra. Vai ser o meu presente de aniversário pra você.
Pra quem admira um parafuso velho encontrado na rua com o mesmo encantamento com que vê Dalí, Calder, Miró, deve ser natural passar as bodas dentro da Leroy Merlin e presentear com uma cuba de pia de cozinha.
Estou convicta de que quem dá presentes presenteia a sim mesmo. De uma forma ou de outra.