Jordana Thadei
Chegamos com uma hora e meia de antecedência. O saguão do teatro vazio e a bilheteria ainda fechada. A cafeteria começava a se organizar para atender a plateia que estava por chegar. Sentamo-nos junto ao balcão, enquanto aguardávamos a máquina aquecer e ficar pronta para nos servir dois cafés. Pedimos uma água com gás e conversávamos baixo, de olho na bilheteria. O senhor avantajado que estava a ler a alguma coisa, a três banquetas de distância, puxou conversa:
_ Chegaram cedo.
_ É que minha amiga, aqui, é mineira _ respondeu meu acompanhante, reconhecendo o homem.
O senhor riu sacolejando o corpanzil e veio se aproximando. Tomou acento na banqueta ao nosso lado e só então eu o reconheci.
_ Então tá explicado _ comentou ele e engatou uma piada sobre mineiro _ O mineiro chegou na estação meia hora depois que o trem tinha partido. O paulista acendeu um cigarro, deu uma baforada prolongada e disse “É, mineiro... dessa vez, cê perdeu o trem. Ele saiu faz meia hora.” e o mineiro respondeu “Perdi não, sô. O meu é amanhã.”
Meu amigo comentou sobre o quanto a mineirice é fértil para as piadas.
_ Os humoristas agradecem _ disse o senhor, antes do último gole d’água _ Vocês são de onde, em Minas?
_ Não, não. Eu sou paulista. Só ela é mineira, da Zona da Mata.
O senhor, então, contou uma história engraçada que envolvia um fato político de uma cidadezinha mineira da Zona da Mata, rimos bastante e já estávamos amigos de longa data, quando eu resolvi também contar uma passagem política e engraçada de uma das cidades onde vivi. Bom, pelo menos eu, naquele momento, achava engraçado. E me joguei na narração da história. O senhor ouvia atentamente, enquanto meu amigo ia desfazendo o sorriso e desenhando linhas na testa.
Quando terminei, fez-se um silêncio. O senhor me fitava, sério. E foi nesse momento que eu me dei conta de que havia tido a ousadia de contar um causo para Ary Toledo. Os três ou quatro segundos de silêncio dele me olhando duraram três ou quatro horas. Eu já imaginava onde iria enfiar a cara, quando vi uma das mãos dele lentamente retirando um guardanapo do suporte e alisando-o sobre o balcão. Então, voltei a respirar, quando ele, ainda me encarando, sacou a caneta do bolso da camisa e pediu:
_ Você pode repetir, por favor.
São Paulo, 12 de outubro de 2024. Valeu, Ary Toledo!